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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Lâmpadas e inteligência - Rubem Alves


"Num dos meus momentos de vagabundagem, um pensamento me apareceu que fez uma ligação metafórica entre lâmpadas e inteligências que nunca me havia passado pela cabeça. Tratei, então, de seguir a trilha. As lâmpadas servem para iluminar. Para isso são dotadas de potências de iluminação diferentes. Há lâmpadas de 60 watts, de 100 watts, de 150 watts etc. Qual é a melhor lâmpada? Parece que as de 150 watts são as melhores porque iluminam mais. Também as inteligências servem para iluminar. Tanto assim que se diz “tive uma ideia luminosa!”. E nos gibis, para dizer que um personagem teve uma boa ideia, o desenhista desenha uma lâmpada acesa sobre a sua cabeça. E também as inteligências, à semelhança das lâmpadas, têm potências diferentes. Os psicólogos inventaram testes para atribuir números às inteligências. A esses números deram o nome de QI, coeficiente de inteligência. Segundo as mensurações dos psicólogos, há QIs de 100, de 150, de 200... Ah! Uma pessoa com QI 200 deve ser maravilhosa! Porque, como todo mundo sabe, inteligência é coisa muito boa. Todo pai quer ter filho inteligente. Mas as lâmpadas não são objetos de contemplação. Não se fica olhando para elas. Olhamos para aquilo que elas iluminam. Uma lâmpada de 150 watts pode iluminar o rosto contorcido de um homem numa câmara de torturas. E uma lâmpada de 60 watts pode iluminar uma mãe dando de mamar ao filhinho. As lâmpadas valem pelas cenas que iluminam. As inteligências valem pelas cenas que iluminam. Há inteligências de QI 200 que só iluminam esgotos e cemitérios. E como ficam bem iluminados os esgotos e os cemitérios! E há inteligências modestas, como se fossem nada mais que a chama de uma vela, que iluminam o rosto de crianças e jardins! A inteligência pode estar a serviço da morte ou da vida. E a inteligência, pobrezinha, não tem o poder para decidir o que iluminar. Ela é mandada. Só lhe compete obedecer. As ordens vêm de outro lugar. Do coração. Se o coração tem gostos suínos, a inteligência iluminará chiqueiros, porcos e lavagem. Se o coração gosta de crianças e jardins, a inteligência iluminarácrianças e jardins. Por isso é mais importante educar o coração que fazer musculação na inteligência. Eu prefiro as inteligências que iluminam a vida, por modestas que sejam".

Mais um do "Ostra feliz não faz pérola". Eu tinha parado a leitura para ler outras coisas, mas decidi que preciso terminar os (bons) livros que começo antes de partir para os seguintes, então vou terminar todos os pendentes antes de iniciar o próximo. É triste porque existem muitos livros bons no mundo e fico frustrada quando penso que é impossível ler todos hahahaha

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Autoperfeição com Hatha Yoga


Pessoas, estava lendo "O morro dos ventos uivantes" e dei uma pausa quando meu kindle voltou a funcionar pra ler um pouco sobre yoga. Eu gosto muito de praticar e me faz um bem danado, mas estou precisando de alguma inspiração maior pra conseguir firmar. Já tem tempo que começo e paro, começo e paro. To precisando mesmo começar e não parar. 

Comecei então com o Prof. Hermógenes (aquele fofo hahahahha). O livro é ótimo! Estou adorando. O trecho que segue fala sobre respiração (pranayama), que é tão importante para os praticantes e que eu ainda sei bem pouco. Pra quem se interessa por esse assunto, segue o trecho.

Como corrigir a respiração deficiente

"Como os exercícios de pranayama são quase todos executados usando somente o nariz, antes de iniciar um deles é preciso ter as fossas nasais totalmente desimpedidas. 

Talvez nenhuma técnica yogue seja necessária quando se trata de uma pessoa que respira pela boca devido a mau hábito formado em época em que, por um qualquer defeito anatômico ou fisiológico, teve dificuldade em respirar pelo nariz. Neste caso, só é preciso uma boa dose de propósito de livrar-se do habito, se é que o obstáculo anatômico ou fisiológico já foi removido.

Para desobstruir uma das narinas, coloque na axila do lado oposto um volume como o de um livro, ou o punho fechado. Dentro de minutos, o desentupimento se dá. É só ter um pouquinho de paciência. Logo que obtiver o que deseja, desfaça a pressão, senão vai entupir a narina do mesmo lado. Se estiver na cama, é suficiente deitar-se sobre o lado desobstruído, para em poucos instantes livrar a narina que estava entupida. E ainda há quem não admita a existência. a dos nadis!!...

A lavagem do nariz ou vyut-krama consiste em aspirar água pelo nariz e cuspi-la pela boca. A sucção se faz mais com a faringe do que com as narinas. A água deve ser fervida, com uma solução de 7% de sal de cozinha (melhor o sal bruto) e em temperatura tépida. As primeiras vezes a coisa é desagradável. Dá uma dorzinha que desaparece com poucos segundos.

Alguns exercícios de pranayama, adiante ensinados, são outras formas eficazes de limpar o muco das narinas e quem os pratica realiza outrossim um tratamento preventivo.

Há certas práticas indicadas por Kerneiz (op. cit.) que preferimos explicar na palavra do autor. Tais técnicas "consistem essencialmente em pronunciar ou sobretudo em cantar certas sílabas de maneira a fazer vibrar as paredes das vias respiratórias. Os sons devem de preferência ser emitidos sobre uma das notas do acorde perfeito e segundo o registro vocal de cada um. Não é preciso cantar a toda a voz, mas cantarolar".

"A sílaba mais própria a fazer vibrar a cavidade torácica mediana é frem; é preciso tentar um pouco para obter o justo som; apoiando ligeiramente os dedos sobre o peito, deve-se sentir a vibração. Om (a sílaba sagrada) faz voltar a parte superior da caixa  torácica e a base da garganta. Yum a parte superior da garganta e alto da glote. Vam o alto do véu palatino e a parte posterior das cavidades nasais. Mam a parte média do véu palatino e das cavidades nasais. Sam a parte anterior do véu palatino e das cavidades nasais. Podem-se obter vibrações um pouco diferentes e mais acentuadas substituindo o m final por n."

"A emissão prolongada e repetida dessas sílabas sobre um som musical e as vibrações que elas determinam tem por efeito purificar as vias respiratórias e livrá-las de todo excesso de muco; exercendo ação tonificante notável, que tende a imunizá-las contra todas as infecções menores de que se tornam sede."

Esses exercícios assim descritos por Kerneiz são classificados na categoria de mantrans. Mantram é a palavra ou som que determina efeitos vibratórios, psíquicos e espirituais quando devidamente emitidos. São verdadeiros mantrans os cantos gregorianos e a entoação das suras do Alcorão pelos muçulmanos em prece. De certa forma, o efeito psicológico arrancado aos soldados pela marcialidade dos tambores exemplifica o que os orientais denominam mantrans."


Vale muito à pena ler o livro, gente. Recomendo!

terça-feira, 22 de julho de 2014

Excelentíssimo - Rubem Alves

"Ando pesquisando coisas antigas da terra onde nasci, Dores da Boa Esperança, à procura de vestígios da minha infância. Pois ontem, fuçando umas pastas velhas, encontrei lá uns jornais de antigamente, muito antes de eu nascer. Acho que os médicos de hoje fariam bem em se informar sobre os remédios daquele tempo que eram muito mais maravilhosos que os remédios de agora. Hoje, quando se toma um remédio, não se sabe quem o fez. Não há, portanto, um jeito de fazer a reclamação à pessoa responsável, caso o remédio não funcione. Naqueles tempos, os remédios traziam no rótulo o retrato do inventor da poção curativa. Tal é o caso do miraculoso remédio Elixir de Nogueira, um “santo remédio”, eficaz no tratamento de “escrófulas, darthros, boubas, inflamações do útero, corrimento dos ouvidos, gonorrhéas, fístulas, espinhas, cancros venéreos, rachitismo, flores brancas, úlceras, tumores, sarnas, rheumatismo em geral, manchas da pelle, affecções do fígado, dores no peito, tumores nos ossos, latejamento das artérias” (jornal A Esperança, Dores da Boa Esperança, 23 de outubro de 1927, p. 4). Agora me digam: que remédio moderno pode se comparar ao poder curativo do Elixir de Nogueira, atestado pela foto do dr. Nogueira, grande bigode retorcido nas pontas, óculos, colarinho e gravata? Os óculos sempre foram marca dos cientistas. Cientista sem óculos não é digno de crédito... Mas, examinando as notícias no miúdo nota-se que todas as pessoas eram “excelentíssimas” e “ilustríssimas”. Os que viajavam eram sempre o ilustríssimo senhor Fulano de Tal com sua excelentíssima esposa... Os juízes eram “meritíssimos”, isto é, portadores de méritos incontáveis. Contou-me um juiz amigo que numa audiência numa cidade do interior o advogado insistia em chamá-lo de “meretríssimo”, tratamento insólito que lhe causou sério problema facial: ele não sabia se o advogado estava a ofendê-lo, chamando-o de “filho da puta”, caso em que ele deveria fechar a cara, ou se o advogado era apenas um pobre-diabo que não sabia o sentido das palavras, caso em que o seu rosto se abriria numa risada... Incapaz de concluir, ele optou pela postura indiferente, clássica no rosto dos juízes. Mas o que me levou a esta excursão foi o fato de um “meretríssimo”, convencido da sua grande importância, haver entrado na Justiça com uma ação contra os funcionários do edifício em que mora, posto que eles, ignorantes da sua excelência, não o tratavam com os devidos “doutor”, “excelentíssimo”, “ilustríssimo”. Esse juiz, ao que me parece, coloca paletó e gravata para defecar e usa fraque e cartola para perpetuar os coitos exigidos pelas obrigações conjugais, se é que o faz. Imagino que ele seja juiz por competência, isto é, passou nos exames. O que é prova cabal de que o conhecimento das leis não é garantia da sabedoria do juiz. Como dizia um homem sábio, na cidade onde nasci, “duas são as coisas em que não se pode confiar: bunda de criança e cabeça de juiz...”. Se ele deu entrada nessa ação, imagino, é que deve haver dispositivos legais para obrigar as pessoas ao tratamento devido, meritíssimo, magnífico, reverendíssimo, ilustríssimo, excelentíssimo, doutor. Pergunto aos conhecedores da lei se não haverá dispositivos legais que punam pessoas que usam títulos sem possuí-los. Um bacharel pode colocar placa de doutor? Engenheiro é doutor? Lembro-me de um homem, também lá em Minas, que queria ser doutor a qualquer preço. Para ele, ser doutor era ter diploma de engenheiro agrônomo. Tirou o diploma. Mas o tiro saiu pela culatra. De caçoada, deram-lhe o apelido de Zé Doutor. Quando vejo escrito na capa de um livro, como autor, Doutor Fulano de Tal, não consigo esconder o riso. É uma pena que a lei não tenha provisões para punir a estupidez e a presunção".

Nova sessão no blog, gente: agora postarei textos ou trechos de livro que eu gostar. Na verdade já fiz isso uma ou duas vezes, mas agora vai ser mais frequente. Espero que gostem! 

Esse é um texto que tem no livro "ostra feliz não faz pérola", do Rubem Alves (lindo!). Recomendo o livro todo.